Imposto Único: Engodo ou viabilidade?
João Damasceno Borges de Miranda*
Já tramita no Congresso Nacional - Comissão de Constituição e Justiça, projeto de emenda constitucional para mudança de parte do Sistema Tributário Nacional, quanto a competência impositiva da União, visando a adoção do imposto único sob a fórmula que se chama de "monotributação pura". O projeto de autoria do economista, a época Deputado Federal, Marcos Cintra, informa o plano de tributação sobre a movimentação financeira num percentual de 3,4%, sendo 1,7% na entrada e 1,7% na saída de qualquer numerário. A proposta visa erradicar do sistema 12 tipos de impostos federais: o IR (pf e pj), CSLL, IPI, CPMF, COFINS, PIS, INSS patronal, IOF, Salário Educação e as Contribuições do sistema "s" (Sesc, Senai, Sebrae, etc.), sem comprometer a arrecadação federal e se diz que, muito pelo contrário, iria até aumentá-la. Permanece o ITR e o que trata do Comércio Exterior.
O emprego de uma formulação estritamente financeira para operacionalizar a "monotributação pura" seria inviável juridicamente. Primeiramente pelo dado social, pois somos um país de economia informal pujante, da também prática de informalidade pela dita economia formal, do corporativismo negacionista e do sistema cartorário. Em segundo, o referido imposto único é claro no seu efeito "cascata", pois a alíquota final incidiria nos produtos tantas quantas vezes ele fosse transacionado ao longo do processo produtivo e circulatório, até o seu final, não se sabendo quantos vezes sofreria a incidência. Afigura-se ineficiente e incentivaria a concentração da atividade empresarial, verticalizando-a e trazendo conseqüências perniciosas para o País. Ademais, para excusar-se da incidência, as empresas podem fazer suas transações internas e criarem mecanismos de transferências de valores sem o trânsito bancário.
A adoção de um imposto único, da simplificação da tributação e de sua arrecadação é tema mui antigo, desde época imemorial. Há relatos quanto aos Reis Henrique III e Luís XV, de fisiocratas: Vaudan, Quesnay, Turgot, Mirabeau e Condocert. No Brasil, desde o Império com o relato de Tavares Bastos; outra proposta em 1915 por Dr. Souza Reis ao Ministro Dr. Sabino Barroso. Viveiros de Castro, então presidente do TCU e autor de Tratado dos Impostos, deplora e condena a adoção de tributação pseudo-única(1).
Hoje, não podemos nos esquecer que o projeto inicial da CPMF foi adotado pelo belo discurso de um imposto único, e, todos nós, sem exceção, ficamos boquiabertos com a proposta. A tão simpática CPMF, de provisória, vai se mostrando permanente no nosso ordenamento e cotidiano. (Em 21.02.02, foi prorrogada mais uma vez). É uma verdade que ela se tornará permanente e quanto a isso não tenho dúvida, pois nenhum governo abrirá mão desse tipo de imposto e método de incidência, visto que possibilita, com exatidão milimétrica, a sondagem da renda de cada contribuinte, e aí utilizar tudo que a lei permite, inclusive o arbítrio. Já tem proposta para torná-la simbólica e exercer mecanismo de fiscalização. Neste particular, o Brasil é o único país no mundo que possui legislação e tecnologia possível para tais mecanismos; vide ainda a questão da substituição tributária e suas complexidades. Na esteira deste método, propõe-se o IUF (Imposto Único Federal), abrindo inclusive ensanchas para que os Estados criem seu tributo único. Mas, o que já podemos pressentir, é que irão criar mais um novo imposto e não um que suplante os já existentes. Conforme foi a proposta da atual CPMF.
Não obstante, a sua conformação jurídica é completamente contrária aos princípios da limitação constitucional do poder de tributar. Tais limitações são desdobramentos das cláusulas pétreas (v.g. garantias individuais - art. 5º CF/88), e estas, por seu turno, são imodificáveis e inderrogáveis. Assim, não poderão ser alvo de mudanças através de emenda constitucional, pois atingiria em cheio os princípios da igualdade e da capacidade individual contributiva e seus outros correlatos, visto que oneraria ilimitadamente o consumo mediante a repercussão dos custos.
A simplicidade da tributação é sempre louvável, contudo, tal proposta não passará de um engodo, pois o modelo será aproveitado para a criação de mais UM imposto. Ora, lançar mão de um método eficaz de incidência e arrecadação como é o da CPMF é o escopo de qualquer administração, mas não é justo, no sentido jurídico, político e econômico que convivamos, de um lado, com a excelência dos tributos e, de outro lado, com os demais percalços de uma tributação injusta e inviável economicamente. Como disse Joelmir Betting: "O contribuinte brasileiro, sem alternativas, não se defende. Ele apenas se vinga", e: "O governo finge que cobra e que recebe, e nós fingimos que pagamos". A nossa carga tributária é elevada e torna o nosso Sistema ineficaz gerando informalidade e evasão. Notória a recente análise realizada pelo IBPT (Inst. Bras. de Planejamento Tributário-PR), ao mostrar que estamos em 3º lugar no mundo em arrecadação de tributos, superando a Suíça. Ocorre que não temos os mesmos níveis de vida da Suíça. Então, distorções há! E elas se chamam: políticos e corrupção.
Como criar e incutir o respeito no seio da população brasileira para o dever de cumprir com uma de suas obrigações civis de cidadania que é o pagamento de impostos; se, além de escorchantes, a todo o momento somos lembrados que os nossos ditos homens públicos não são, assim, tão honoráveis? Então a solução política e legal para prover a máquina pública é a insistência na criação e manutenção dos impostos indiretos (definição da Ciência das Finanças e imprestável para Ciência Jurídica), dos quais não se sabe até hoje de quem é a responsabilidade, se pessoa física que paga o imposto no preço da coisa ou pessoa jurídica que quita o tributo e preenche a relação jurídico-tributária com a Administração. (Essa dúvida cruel só existe num dos "bolsos" do Governo, o que paga). Agora, uma coisa é certa: O dinheiro que entra, esse não sai. Em verdade estamos tratando com estados falidos, e a política é essa: não sai um centavo (exceto para os casos que impliquem promoção pessoal, travestidos de obra pública necessária, e os de corrupção que tanto convivemos passivamente).
O Governo brasileiro move-se pelo cinismo, como definido pelos filósofos clássicos. Entendam o drama hameletiano dos impostos "indiretos" no Brasil (IPI, ICMS, etc.): A pessoa física não pode reclamar porque não participa da relação jurídica, e a pessoa jurídica não pode reclamar o indébito porque não suportou o ônus econômico. E tudo isso chancelado, formalizado preto no branco por causa do equivocado art. 166 do CTN que diz ser possível pleitear restituição com autorização de quem sofreu o ônus econômico. Muito bem! Belíssima construção; para o Estado que arrecada. Porém, inviável para os contribuintes de jure e de fato. Assim, o Estado se abarrota e não se comove porque não há cobrança justificável ou receio que a Justiça o mande devolver. E se mandar, temos aí outra construção do gênio político brasileiro: O PRECATÓRIO. "Devo num nego, pago quando quiser".
Como a verdade às vezes dói, e a nossa verdade brasileira dói mais ainda, porque sentimos o cheiro que virá aí mais um imposto e não a substituição de vários outros que se mostram injustos economicamente.
Devemos lembrar aos políticos fatos da história mais recente, como o exemplo atualíssimo da Argentina, as agitações sociais nos países do Leste Europeu (Rússia, Romênia, Rep. Tcheca, Iugoslávia, Albânia e demais) e tantos outros exemplos na história do mundo. Uma antiga e registrada sacramente é a assunção do filho de Salomão como rei ao trono de Israel e, ao aumentar a carga de tributos sobre o povo, provocou a separação de 10 (dez) tribos, das 12 (doze) que compunham o Estado de Israel à época. Vejam, pelo menos uns 800 (oitocentos) anos antes de Cristo.
Será que o povo brasileiro está disposto a pagar o preço? De novo, de novo, de novo, de novo...?
NOTA
(1) Cf. Dejalma de Campos, in RTfp nº 47, p. 128/129, São Paulo: Revista dos Tribunais, nov/dez 2002.
João Damasceno Borges de Miranda*
jd@cnaadvocacia.com.br