As multas aplicadas pelo BACEN aos importadores
Juliana Borges*
Os importadores brasileiros, ao realizarem operações de importação, celebram contratos mercantis com os exportadores estrangeiros que, entre muitas outras especificações, contêm o prazo e a forma de vencimento da obrigação, ou seja, a data em que a importação deverá ser paga e em que condições.
Para efetuar tal pagamento, considerado a liquidação da importação, é necessário o fechamento de contrato de câmbio, perante Instituição Financeira autorizada.
Ocorre que os importadores são obrigados a respeitar prazos e condições estabelecidos pelo Banco Central do Brasil - BACEN, para a liquidação de suas importações, independentemente do que foi acordado com o exportador. Desde a edição da Medida Provisória nº 1.569, de 25/03/1997, convertida na Lei 9.817, de 23/08/1999, os importadores têm prazos pré-estabelecidos para o fechamento de seus contratos de câmbio, sob pena de sofrerem pesadas multas.
Na prática, esses prazos fixados pelo BACEN desconsideram a relação existente entre importador e exportador, uma vez que, muitas vezes, fazem com que o pagamento da importação seja antecipado em relação ao que foi pactuado entre as partes (isso sem analisar as importações com prazo de pagamento superior a 360 dias, que fazem uso de um Registro de Operações Financeiras - ROF, com sistemática diferenciada).
Quer dizer, ainda que o fornecedor no exterior tenha concedido um longo prazo para o importador quitar sua obrigação, como estipular seu vencimento para depois de cinco meses, por exemplo, dependendo da operação, o fechamento do contrato de câmbio (que implica o desembolso imediato da quantia correspondente em reais) precisará ser feito antes mesmo do registro da Declaração de Importação - DI, que antecede o desembaraço aduaneiro.
No momento da contratação do câmbio, que se refere a uma determinada DI, a Instituição Financeira verifica se o prazo fixado pelo BACEN foi respeitado. Em caso de descumprimento, o importador é apenado com multa diária, em percentual também imposto pelo BACEN. Até o advento da Lei nº 10.755, de 03/11/2003, essas multas não encontravam limite, podendo superar, em muitas vezes, o valor da própria operação. Agora, com a nova lei, há a previsão do percentual máximo de 100%, do valor equivalente, em reais, à respectiva importação (art. 1º, § 2º).
Apesar de a nova regra ter restringido o valor da autuação, essas multas cobradas pelo BACEN ainda não estão em total harmonia com nossos princípios constitucionais. Seguindo a mesma linha da MP 1.569/97, de suas reedições e da Lei 9.817/99, a Lei 10.755/03, ao sujeitar os importadores à penalidade em questão, fala em "contratar operação de câmbio ou efetuar pagamento em reais sem observância dos prazos e das demais condições estabelecidas pelo Banco Central do Brasil". Vemos que permaneceu atribuída ao BACEN a prerrogativa de estabelecer os prazos e as demais condições que devem ser obedecidos pelos importadores.
A lei limitou a multa, mas a conduta típica, ensejadora dessa penalidade, não foi por ela definida. Do texto legal depreende-se a pena máxima, mas não a conduta cujo cumprimento é esperado. Para que o importador tenha pleno conhecimento de como deve comportar-se, para evitar a punição (quais prazos e condições deverá cumprir), precisará buscar enunciados prescritos pelo BACEN, em suas Circulares ou em outros regulamentos, normas de notória hierarquia infralegal.
Essa definição da conduta obrigatória, trazida por veículo inferior à lei ordinária, fere os princípios constitucionais da segurança jurídica e da estrita legalidade. Segundo este último, "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei" (art. 5º, II, CF); sendo que não há pena "sem prévia cominação legal" (art. 5º, XXXIX, CF). O princípio da estrita legalidade é uma das garantias máximas da nossa Constituição Federal, verdadeira cláusula pétrea, sempre enaltecida por nossos tribunais.
Não se questiona a importância das funções exercidas pelo BACEN. Mas, não obstante todas as delegações de competência feitas em seu favor (como as previstas pela Lei 4.131/62, que disciplina as remessas de valores para o exterior, e pela Lei 4.595/64, que cria o BACEN e o Conselho Monetário Nacional), o ordenamento jurídico vigente não admite que um órgão administrativo como esse legisle, criando obrigações, por mais louvável que seja a finalidade almejada.
Por fim, apenas para demonstrar como o Poder Judiciário impõe o respeito ao princípio da legalidade, em julho deste ano, transitou em julgado uma decisão do Superior Tribunal de Justiça - STJ que, embora não se refira, especificamente, às multas sobre importações, também diz respeito a uma penalidade aplicada pelo BACEN, cuja conduta obrigatória não estava totalmente descrita em lei. No exame do recurso especial nº 324.181, a Relatora Ministra Eliana Calmon afirmou que "somente a lei pode estabelecer conduta típica ensejadora de sanção", privilegiando esse princípio supremo em detrimento das normas infralegais. Este caso, em que o BACEN não pôde exigir a multa que havia aplicado, pode servir como um bom precedente para os importadores, que se sentirem lesados, buscarem junto ao Poder Judiciário a proteção de seus direitos, seja na tentativa de evitar a imputação da penalidade, seja para requerer a restituição de valores pagos a esse título.
Juliana Borges*
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