Inconstitucionalidade da Exigência do ITCMD pelo Estado de São Paulo quando o Doador estiver Domiciliado no Exterior
Rodrigo Rosseto Monis Bidin*
O objetivo do presente artigo é demonstrar a inconstitucionalidade do artigo 4º da Lei do Estado de São Paulo nº 10.705/2000 no que se refere à "ampliação indevida" da incidência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e sobre Doações - ITCMD sobre doações realizadas por doadores residentes ou domiciliados no exterior.
Primeiramente, cumpre transcrever o conteúdo do referido dispositivo legal:
"Art. 4º - O imposto é devido nas hipóteses abaixo especificadas, sempre que o doador residir ou tiver domicílio no exterior, e, no caso de morte, se o 'de cujus' possuía bens, era residente ou teve seu inventário processado fora do país:
I - sendo corpóreo o bem transmitido:
a) quando se encontrar no território do Estado;
b) quando se encontrar no exterior e o herdeiro, legatário ou donatário tiver domicílio neste Estado;
II - sendo incorpóreo o bem transmitido:
a) quando o ato de sua transferência ou liquidação ocorrer neste Estado;
b) quando o ato referido na alínea anterior ocorrer no exterior e o herdeiro, legatário ou donatário tiver domicílio neste Estado."
(grifamos)
Da análise do referido artigo, pode-se concluir que o ITCMD/SP também incide sobre doações na hipótese de o doador residir ou tiver domicílio no exterior.
Ocorre que a Lei estadual nº 10.705/2000 não poderia ter "ampliado" a incidência do ITCMD nessa situação (doações realizadas por doadores residentes ou domiciliados no exterior), pois de acordo com o artigo 155, § 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988, cabe à lei complementar disciplinar a competência para instituição do ITCMD quando o doador tiver domicílio ou residência no exterior. Para que não paire qualquer dúvida, confira-se o conteúdo do referido dispositivo constitucional:
"Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
I - transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;
(...)
§ 1º O imposto previsto no inciso I:
(...)
III - terá competência para sua instituição regulada por lei complementar:
a) se o doador tiver domicilio ou residência no exterior;
b) se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior;
(grifamos)
Vale mencionar que em 1989 o então Senador Fernando Henrique Cardoso apresentou no Senado Federal o Projeto de Lei Complementar nº 164/1989 (tendo recebido na Câmara dos Deputados o nº 23/1991), com o propósito de regulamentar a competência para instituição do ITCMD nas condições previstas no inciso III do § 1º do artigo 155 da Constituição Federal de 1988.
No entanto, referido Projeto foi arquivado por inconstitucionalidade, conforme se pode observar do Ofício do Primeiro-Secretário da Câmara dos Deputados (publicado no Diário do Senado Federal de 10/09/2003, p. 26495), cujo conteúdo segue abaixo:
"Nº 702/2003, de 5 do corrente, comunicando o arquivamento, por inconstitucionalidade, do Projeto de Lei do Senado nº 164, 1989-Complementar (nº 23/91-Complementar, naquela Casa), que regula a competência para instituição do imposto sobre transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos, nas condições previstas no inciso III do §1º do art. 155 da Constituição Federal".
Confira-se, na seqüência, trecho do voto proferido pelo relator do parecer da Comissão de Constituição e Justiça e de Redação da Câmara dos Deputados, Deputado Luiz Antônio Fleury, sobre o aludido Projeto de Lei Complementar:
"(...) A proposição, equivocadamente, faz variar a competência tributária em função de o doador ter ou não residência no exterior, quando, à toda evidência, o que deveria ser levado em consideração seria a circunstância de o doador ter ou não residência no Brasil. O autor da proposição cometeu esse equívoco em razão da leitura apressada do texto da Constituição. Com efeito, o inciso II do § 1º do art. 155 outorga competência ao Estado de domicílio do doador; essa competência não se exclui pelo fato de o doador ter também domicílio fora do Brasil. A conjugação dos incisos II e III mostra que a competência que deve ser regulada por lei complementar é a do caso em que o doador não tenha domicílio no Brasil".
Até o momento, não foi publicada qualquer Lei Complementar que discipline a competência para instituição do ITCMD quando o doador tiver domicílio ou residência no exterior, razão pela qual sobressai evidente que o artigo 4º da Lei do Estado de São Paulo nº 10.705/2000 é inconstitucional, na medida em que está disciplinando matéria de competência exclusiva de lei complementar.
Por fim, embora não seja o objetivo precípuo desse artigo, importa mencionar que pela mesma linha de raciocínio aqui desenvolvida pode-se argüir a inconstitucionalidade da incidência do ITCMD/SP sobre transmissão "causa mortis" quando o "de cujus" possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior.
Rodrigo Rosseto Monis Bidin*